Sobre Andy Warhol, faculdade de Letras e mães ansiosas
Outro dia, conversando com uma amiga, lembramos de quando nos conhecemos: na fila pra matrícula na faculdade de Letras. Logo quis ser amiga dela, mas o destino conspirou contra mim.
Foi mais ou menos como diria Chorão: como chegar nela? Eu nem sei. Ela é tão interessante… e eu aqui com a minha mãe. Sim, eu estava com a minha mãe no primeiro dia de faculdade. Já chego lá.
Mas a Poliana — essa amiga — estava na minha frente. Era super alta e super descolada: usava contorno, sainha plissada e os cabelos dramaticamente pretos e longos, com franja reta e óculos quadrados de aros grossos, popularizados entre nós por Rivers Cuomo, o primeiro nerd.
Eu, por outro lado, vivia minha fase pós-emo: calça jeans, all star vermelho e uma camiseta que pedi pra uma amiga desenhar, com a banana desenhada por Andy Warhol pra capa do “Velvet Underground & Nico" e a frase: this shirt is bananas.
Pegou a referência?
Era aquela coisa: I'm just a girl tentando ser engraçadinha num ambiente que gritava PEDANTISMO toda vez que um cara desfilava com um calhamaço do Thomas Mann debaixo do braço.
“E você ainda apareceu com a sua mãe”, lembrou a Poliana. Pois é.
Veja bem: não acho que se compare à geração Z que leva os pais pra entrevista de emprego, porque: 1) eu era menor de idade; e 2) fui criada por uma jovem viúva potencialmente ansiosa.
Sendo justa, eu até a entendo: teve uma época que era rotineiro ver notícias de corpos desovados a poucos metros dali, na mata da UFMG. Coisinha leve.
Minha mãe ficou apavorada, claro. Apesar de estar feliz por eu ter passado numa faculdade pública mesmo estudando em escolas públicas medianas, ela teve medo que um crime hediondo pudesse me acontecer ali — como um assassinato brutal, ou fumar maconha no intervalo das aulas.
Apesar do universo (meu dress code e minha mãe) ter sabotado meu debut, a Poliana ainda quis ser minha amiga. Logo viramos duas franjudinhas meio outsiders entre artistas (no masculino) e evangês (no feminino) que leram, horrorizadas, algum livro tipo Macunaíma. Até que outras meninas se juntaram a nós e a coisa foi ficando menos solitária e um bocadinho mais feminista.
Hoje, Poliana é mãe de uma adolescente maravilhosa (antítese) e popular. Uma menina que jamais usaria uma camiseta referenciando Andy Warhol e Gwen Stefani (como eu); ou vomitaria no ônibus interno da faculdade (como a mãe); nem desmaiaria depois de incontáveis doses de Big Apple (como eu... ou ela, já nem lembro).
Uma década depois, vendo a exposição do Andy Warhol na FAAP, me peguei voltando aos tempos da camisa da banana. Andy foi minha primeira referência de arte x capilaridade, ainda hoje admiro quem consegue amarrar esses dois fatores na criação. A importância de Warhol para uma arte que se tornaria pop, em todos os sentidos da palavra, ainda me provoca.
Com o tempo, me afastei da obra dele. Nada mais normal — os anos passaram, os questionamentos mudaram e passei a me interessar por uma arte menos, digamos, colonialista e estadunidense. Mas gosto de pensar nos caminhos que me levaram até as obras dele.
Andy Warhol foi uma iniciação para mim, uma pré-adolescente que tinha acesso à arte pela TV aberta, internet discada e pela biblioteca capenga da escola.
Não é difícil se encantar pela fábrica de sonhos que Andy Warhol criou, porque ele tomou como inspiração a TV, as celebridades, a indústria cultural. Ironizou e exaltou tudo isso, redesenhou e criou imaginários.
Hoje, gosto de pensar que Andy Warhol filmaria Lupita Nyong’o em um Iphone, faria polaroides da Chappell Roan e adoraria usar um filtro do Instagram. Sempre envolto em uma aura de elegância e decadência que segue sedutora.
Talvez por isso, a FAAP siga lotada de gente que topou pagar 70 reais pra ver uma exposição que, vai lá, prometia ser maior. Isso até renderia uma discussão interessante — que você não vai ler aqui. Só pensei nessas trivialidades para esquecer que mundo está prestes a se explodir em duas guerras. Um pouco de escapismo não faz mal, afinal de contas. Acho que Andy Warhol concordaria.